terça-feira, 8 de abril de 2008

Longe dos olhos do presidente, não há problemas!

Tive a oportunidade de trabalhar, como prestador de serviços, em uma industria de carros metros-ferroviários.
Produto singular, com alto índice de qualidade e confiabilidade, onde os processos devem ser bem elaborados e as
falhas nulas, pois um erro de projeto e de fabricação neste produto pode acarretar graves danos materiais e pessoais.
Ao ficar sabendo sobre a atividade da empresa e o seu nome, mundialmente reconhecido, fiquei muito entusiasmado.
Na entrevista com o “contract manager” (era uma empresa de manutenção global, contratada pela fábrica de carros
metros-ferroviários), adorei saber que estaria trabalhando numa empresa de um grupo francês, com grandes
possibilidades de crescimento. Ao sair da entrevista, não pude deixar de soltar um grito: “Consegui! Agora é minha
vez!”.
Mas foi apenas iniciar as minhas atividades dentro des ta empresa, que comecei a ver que nada é como imaginamos.
Todos aqueles indicadores de ISO9000, 14000, SA800 e sei lá o que mais, não significavam nada! Ou melhor, não
eram obedecidos, eram usados apenas para serem mostrados para os auditores, que simplesmente olhavam aquilo e
consideravam “Muito bom!”.
Que decepção! Pensava que iria aprender padrões internacionais de qualidade, de estruturação de processos,
melhorias contínuas..., Mas a única coisa que aprendi, foi que tudo, absolutamente tudo, pode-se dar um jeitinho... É
o cronograma de Manutenção Preventiva que era atualizado de quatro em quatro meses, é a criação de Plano de Ação
para divergência que já havia sido solucionada, é a coleta de assinaturas de Termo de Responsabilidades para as
manutenções vencidas, onde sequer foram lembradas na data prevista, e não pára por aqui!
O que mais me deixou indignado, ou melhor, admirado, foi a maneira de como eles se preocupavam em esconder
toda aquela “colcha de retalhos” dos olhos dos dirigentes internacionais.
Era só circular o comunicado: “Fulano de tal, presidente da América Latina, estará visitando a nossa fábrica na
próxima semana...” Pronto! Era aquela agitação. Limpeza geral da fábrica, tirar todas aquelas peças, “matadas” pela
produção, do por onde o presidente passaria. Nada pode ficar fora dos “padrões” estabelecidos pela matriz da Europa.
Então, chamem a Manutenção, coloquem placas de “Equipamento em manutenção” naquelas máquinas que foram
adquiridas recentemente, mas que não estão sendo usadas porque foram compradas com a “estimativa” de uso.
Arrumar o que estava desorganizado na última hora, acertar aquilo que estava pendente a mais de dois meses, mas
ninguém havia tomado providência nenhuma. Era o tal do esconde-esconde, maquiar a fábrica com uma organização
que não existe.
Quando chegava a pessoa esperada, ninguém trabalhava, quem andava pela fábrica logo imaginava que aquela
organização era um padrão costumeiro, e elogiava muito o chefe da fábrica, que ficava com um sorriso no rosto de
“missão cumprida”.
Mas o que o Presidente não sabia era que logo depois que ele fosse embora para a Europa, a fábrica voltava a ser o
que ela sempre foi: uma verdadeira bagunça! Então as peças que foram escondidas no galpão de armazenagem,
voltam para seus lugares cotidianos, são retiradas as placas de manutenção das máquinas que estão paradas, a sujeira
do dia -a-dia volta a sua normalidade e ninguém fala nada...Até a próxima visita do Presidente, é claro! Mas afinal,
longe dos olhos do Presidente, não há problemas, e eles continuam a fabricar...Problemas, é claro!
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